segunda-feira, 15 de maio de 2017

Comentário de Richard Hoffman



postado a 4 horas atrás, (editado)

O TRAUMÁTICO "DIA DAS MÃES"

Hoje é dia 15 de Maio, e ontem foi o dia em que, tradicionalmente, as mães brasileiras recebem além de presentes​, uma enxurrada de mensagens ufanistas e tão espetaculares que até parece que todo mundo as tratam assim.

Como eu nunca soube o que é amor de mãe, só me resta fazer uma homenagem com um texto a uma pessoa extraordinária, que nem vou precisar de recorrer a paradigmas filosóficos para impressionar ninguém. Vou contar de forma simples neste singelo texto, sobre a maior heroína (real) que o mundo já viu. Essa heroína nunca foi mãe, mas representa a mulher muito mais do que qualquer beata ou milhões de mães biológicas por aí. Essa homenagem bem poderia ter sido feita para o "Dia das Mulheres", mas nem sei se estarei vivo até lá. E como disse, não sei falar de mãe, e eu não gosto de falar do que não sei.

Tudo o que vocês lerão agora é possível conferir nos livros ou na internet.

Quando se quer homenagear um herói, quase ninguém pensa em uma mulher. É só você observar os filmes em cartaz, desde que o cinema existe até hoje. Nossa cultura religiosamente prostituída nos impede de ver a mulher no mesmo nível dos machos, quanto mais superior a eles. O macho tribal e primitivo criou escrituras sagradas para colocá-las em seu devido lugar: à sombra do próprio macho. De forma geral, o resultado desse trauma é tão profundo que não só as mulheres sempre se odiaram, como nunca acreditam nelas próprias como sendo capazes de governar um país. Basta dizer que elas representam 53% do eleitorado brasileiro, mas a maioria delas não votaram (e não votam) numa mulher para presidenta. Uma mulher venceu as eleições aqui no Brasil, não foi só porque um homem quis, mas porque a maioria dos homens, 47% do eleitorado, votaram em massa numa mulher, enquanto elas votaram em sua maioria num homem. E a maior prova disso é que, nessas últimas eleições para as capitais dos estados brasileiros de 2016, por exemplo, de todas as capitais brasileiras, as mulheres elegeram apenas uma mulher (Teresa Surita), na capital do estado de Roraima, a cidade de Boa Vista. Quer dizer que, das 26 capitais brasileiras, somente uma é governada por mulher. Capital essa, de 300 mil habitantes, que perde em importância econômica para várias cidades do interior de vários estados. Não há como não generalizar para poder explicar, e é isso que estou fazendo -- você, leitor, entende, não é? Não estou culpando as mulheres, estou explicando que o trauma do machismo é muito mais profundo do que se imagina, e nem estou otimista quando isso vai acabar.

Mas, afinal de contas, qual é o problema que nós homens temos com as mulheres? Será inveja?

A fé dogmática pode facilmente ser manobrada e satirizada por alguém que finge levar suas pregações ao pé da letra. Isso todo homem sabe a julgar pelo número de deuses e religiões. Então por que, até hoje, as mulheres não acordam desse pesadelo criado pelos homens a fim de conquistar seu lugar de respeito?
Houve um momento em que isso aconteceu. Senhoras e senhores, tenho o orgulho de apresentar "o meu herói". Sim, o meu verdadeiro herói é na verdade algo que ninguém espera; uma mulher: Hipátia.

Hipátia (370-415) foi uma filósofa, matemática e astrônoma grega que viveu em Alexandria, no Egito, na época sob domínio romano. Tornou-se uma liderança da escola neoplatonista. Era também uma ferrenha defensora da Biblioteca de Alexandria, a maior biblioteca que o mundo já viu. Hipátia acabou brutalmente assassinada por uma turba de cristão fanáticos sob as ordens de Cirilo, o arcebispo de Alexandria.
Na grande Biblioteca de Alexandria estavam guardados textos gregos antigos, como o Velho e o Novo Testamento, manuscritos ancestrais etc..

Aqueles eram tempos em que as mulheres eram consideradas criaturas de segunda classe (como em países teocráticos de hoje). De fato, os homens as tratavam como sua propriedade. Mesmo assim não puderam conter a sede de conhecimento de Hipátia, que possuía um vasto conhecimento para qualquer pessoa de qualquer época. E ter alcançado isso como mulher era impensável. Ela reuniu conhecimento de todas as partes do mundo e os transmitiu ao povo, toda aquela grande arte que ela defendia.

Hipátia será sem dúvida a maior e mais sensacional heroína sobre a qual o leitor irá ler. Ela era muito bonita, também. Ela ia para a Biblioteca de carruagem! Muitos quiseram se casar com ela, mas os convites eram sempre recusados, porque se dedicava completamente para a Grande Biblioteca. Gregos, árabes e fenícios se encontravam com a sábia. Cientistas, matemáticos, médicos e estudiosos compartilharam saberes com a musa (daí a palavra "museu").

O melhor momento de Hipátia foi quanto sua oposição ao arcebispo de Alexandria, Cirilo, que a desprezava por ter se dedicado aos estudos e a Ciência, que a Igreja primitiva identificava como paganismo. Esse tipo de ignorância era muito mais perigoso na época. Mesmo correndo grande perigo, ela continuou a ensinar.

Hipátia morreu a caminho do trabalho, atacada por uma multidão de fanáticos paroquianos de Cirilo. Eles a puxaram da carruagem, arrancaram suas roupas e a esfolaram até tirar a carne dos seus ossos. Ela foi assassinada e dilacerada por defender a arte e tudo o que era certo. Depois a multidão foi para a Biblioteca. Queimaram tudo, destruíram séculos de história sobre o homem antigo. Centenas de obras de arte e manuscritos se perderam. Descobertas, ideias e paixões foram exterminadas. As perdas foram incalculáveis. A destruição da Grande Biblioteca de Alexandria lidera no topo como a maior perda (não natural) da história humana. Depois disso, virou rotina turbas de fiéis fanáticos​ saírem a esmo ou de forma vingativa destruindo todas as escolas (principalmente as gregas, as melhores). As outras bibliotecas não tiveram melhor sorte. Um levantamento feito em Romano começo do século IV listou, 28 bibliotecas públicas, além de inumeráveis coleções particulares em mansões aristocráticas, mas que desapareceram após a tragédia da Grande Biblioteca de Alexandria.
Mas o maravilhoso de tudo isso é que Hipátia lutou até o último suspiro para salvar a Grande Biblioteca. Depois que a assassinaram, queimaram seus restos mortais, e Cirilo... foi feito santo (!). Repito: Cirilo foi feito santo, e desde aquela época, fiéis se ajoelham e choram diante "dele".

A teia de conhecimento de Hipátia era muito vasta, e temos um débito de gratidão imenso com ela. Posso dizer, com vigor cósmico, que ela é -- agora sim, no feminino -- minha heroína.

Chegará um dia em que a humanidade vai estudar e saber o que a religião foi capaz de fazer, destruindo não só a maior das bibliotecas, como também todas as escolas de filosofia do ocidente. E também saberá sobre Hipátia -- que com certeza está a altura (ou acima) dos maiores homens que já pisaram esse planeta.

O que fizeram com Hipátia e com todas as mulheres desde que o mundo é mundo foi (e continua sendo) sinal de fraqueza, não de força.
O assassinato de Hipátia significou mais do que o fim de uma pessoa notável; ele efetivamente marcou o declínio da vida intelectual alexandrina e foi o sinal de morte de toda a tradição intelectual que estava por trás da história daquela mulher.

Se eu pudesse estar com essa mulher hoje, por um breve momento, eu diria: "Obrigado, mulher, por ter sido um grande exemplo. Por ter sido uma​ grande serva das artes e das Ciências, e por ter dado um grande passo para a emancipação daquelas por onde todos nós viemos -- vocês mulheres -- a essa nave chamada Terra. Obrigado por você provar que é possível de a mulher se libertar da tirania machista, de tal forma, que poderá até superá-los (de forma racional e civilizada, coisa que nós homens não fomos capazes em relação às mulheres).

Se eu pudesse escolher um único acompanhante de uma viagem intergaláctica, e as únicas duas opções fosse entre Jesus ou Hipátia, eu, sem titubear escolheria Hipátia. Mesmo se eu fosse mulher. Por quê? Por causa do humor. Não conheço nenhum fanático que ri de si mesmo.